26 novembro, 2008

O VERDADEIRO OLHAR ATRAVÉS DA JANELA

“Que as forças cegas se domem pela visão que a alma tem!”
Fernando Pessoa





Wagner Ferreira


O documentário “A Janela da Alma”, lançado em 2002, e dirigido por João Jardim e Walter Carvalho, acerta em cheio a úlcera dos tempos modernos: a falta de sensibilidade de boa parte dos seres humano para com o outro, além de a efemeridade do áudio visual aliado à sua orgia transmitida de forma enlatada pela televisão.

O homem, a cada dia mais egoísta, mais egocêntrico, e, por isso, não consegue enxergar com os verdadeiros olhos os detalhes e as belezas das coisas simples da vida. As informações chegam a todo instante e a toda hora, não dando espaço para absorvermos todo esse catatau de forma proveitosa.

O escritor português José Saramago, depoente no filme, observa o lado físico do olho. Em seu comentário, Saramago diz que, se o homem tivesse uma visão tão apurada quanto a de um falcão, este gostaria menos de coisas vistas com olhos comuns tidas como singelas. O escritor completa, e faz uma analogia com a pele de uma mulher, por exemplo. Esta, a primeira vista, tão lisa e delicada. Mas se usarmos uma lente de aumento, imitando a visão do falcão, é possível ver diversas imperfeições, orifícios e pêlos; detalhes que tornariam uma donzela bem menos agradável aos olhos de um homem viril.

Entre os 19 depoimentos abordados no documentário, um tema em comum: diferentes níveis de miopia, que são explicados também de formas distintas, mas com ricas contribuições ao nosso intelecto. Isso não só pelo fato de advirem de personalidades, e sim por tornar essas mesmas pessoas cidadãos comuns diante de suas deficiências, e, acima de tudo, reféns destas.

Outro destaque vai para o relato do cineasta Alemão Win Wenders, conhecido por dirigir o documentário sobre a banda cubana Buena Vista Social Club. Wenders revela a abundancia de coisas ao nosso redor, que por falta de tempo, ou desinteresse, deixamos passar despercebidas todos os dias. Mesmo assim, a produção, quer seja midiática ou cultural, é contínua, e segue inchando e poluindo nossos olhos e ouvidos.

O cineasta ainda revela sobre o seu costume do uso dos óculos, e assume que não consegue mais conviver sem eles. Ele diz já ter tentado usar lentes, mas que não se adaptou. “Sinto que sem os óculos vejo demais, não quero ver tanto, prefiro ver as coisas de forma mais contida.”

A cada final de entrevistas, Walter Carvalho buscou fotografar imagens que repensam o ato de ver, ou mesmo ressaltam um sentimento existente naquele momento. Esse é o sentido do primeiro plano do filme. As imagens sem foco, que saem da tela preta, surgem aos poucos até entendermos que se trata de uma fogueira sendo consumida em meio à escuridão. Essa imagem remete à alegoria da Caverna de Platão, ou seja, o retrato de uma sociedade a qual pessoas permanecem presas pela ignorância, e na ilusão de um mundo distante da verdadeira realidade.

Sinopse - Dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à cegueira total, falam como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo. O escritor e prêmio Nobel José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cineasta Wim Wenders, o fotógrafo cego franco-esloveno Evgen Bavcar, o neurologista Oliver Sacks, a atriz Marieta Severo, o vereador cego Arnaldo Godoy, entre outros, fazem revelações pessoais e inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão: o funcionamento fisiológico do olho, o uso de óculos e suas implicações sobre a personalidade, o significado de ver ou não ver em um mundo saturado de imagens e também a importância das emoções como elemento transformador da realidade ­ se é que ela é a mesma para todos.

Saiba Mais: "A Janela da Alma"